No escuro, Chico descobre que a luz mais forte vem de dentro.

A noite chegou devagar, como se tivesse medo de molhar os pés.
Lá fora, a chuva continuava firme, riscando o céu com trovões e lampejos de luz.
Chico estava deitado no sofá, com Pé de Pano enroscado ao lado e uma coberta até o queixo.
O barulho do vento fazia a cortina dançar.
— Será que a chuva não cansa nunca? — perguntou, olhando pro teto.
Pé de Pano respondeu com um suspiro de pano, que Chico traduziu como um “acho que não”.
De repente, o mundo inteiro piscou.
Uma luz forte, um trovão enorme…
— KABUUUM!
E, num segundo, tudo escureceu.
— Oi? — Chico se levantou. — Alô, lâmpada?
Nada. Só o som da chuva e o cheiro de tempestade.
O coração dele bateu mais rápido, e Pé de Pano se apertou contra seu pé.
— Tá tudo bem, amigo — sussurrou. — A gente ainda tem uns truques.
Lembrando da gaveta da cozinha, correu tateando até encontrar uma lanterna.
— Aí está você! — disse, aliviado.
Quando acendeu, o feixe de luz cortou o escuro como uma espada brilhante.
Chico olhou ao redor.
As sombras dançavam nas paredes, enormes e misteriosas.
Ele levantou a mão e moveu os dedos.
Na parede, uma forma apareceu — um coelho!
— Boa noite, senhor Coelho Cenoura — disse, sorrindo. — Preparado para uma nova missão?
Com a outra mão, formou o Capitão Pirata, de perfil, com o chapéu de sombra.
— Arrr! — respondeu a voz rouca que Chico fazia. — Tripulação, prepare-se para zarpar!
A luz da lanterna virou o mar.
As paredes, o céu.
E o teto virou o castelo da Princesa Rosa, brilhando nas pontas dos dedos.
— Sua Alteza — disse Chico, mudando o tom de voz —, os trovões estão vindo!
— Então conte uma história, Capitão — respondeu a princesa, com doçura. — Só as histórias espantam o medo.
Chico pensou por um instante, depois começou:
— Era uma vez um garoto que enfrentou a noite escura com uma lanterna na mão.
Cada sombra era um dragão, cada trovão, um rugido.
Mas ele não fugiu — dançou com o escuro, e descobriu que o medo também pode ser bonito quando a gente inventa luz.
Enquanto falava, movia as mãos, criava asas, castelos e estrelas.
Pé de Pano assistia encantado, com os olhos brilhando na penumbra.
Lá fora, a tempestade parecia ouvir.
O vento diminuiu. O som da chuva ficou suave, quase um aplauso.
Chico baixou a lanterna devagar.
— Viu só, Pé? — disse, bocejando. — Acho que até o céu gostou da história.
Encostou a cabeça no travesseiro e deixou a luz projetar um último desenho na parede: um coração.
Aos poucos, o feixe foi ficando fraco, até se apagar.
Mas, mesmo no escuro, Chico ainda via tudo —
o castelo, o mar, e o céu inteiro que ele tinha inventado.
Continua…
